Segunda-feira também é dia de Preto Velho, por Mariana Nassif

Os pretos velhos são entidades relacionadas às almas – não somente às dos escravos, que representam por meio de suas características de resignação, força de vontade, sabedoria, amor, caridade e, especialmente, a humildade, mas também as almas que permanecem neste plano terreno, dando conta do encaminhamento e cuidado acerca dessas energias que podem nos afetar. Este trabalho, o do encaminhamento das almas, é comumente relacionado à Exu, mas aos pretos velhos cabem também a tarefa de cuidar de seus filhos, os encarnados, e não poupam energias e mandingas para eliminar quem quer que esteja atrapalhando estes caminhos. Até por suas dinâmicas sempre pacientes e caridosas, podem enganar sutilmente os adversários, que se mostram com mais facilidade e clareza perante uma alma velha, como se estivessem sem medo de serem pegos, sendo rapida e eficientemente enredados pela energia nada sutil das almas negras. Bate uma folha, queima uma erva e pronto, lá se foi o mal, quase sem alarde visível.

Meu primeiro contato com um preto velho foi surreal em muitos aspectos. O primeiro deles é que eu estava com medo, muito medo, do que aconteceria ali, na sala daquela família onde minha tia me levou para conhecer a macumba mais de perto. Nunca havia participado de nada parecido e então estava aflita, minhas próprias energias me encontrando e incomodando. Outro ponto especialmente fantástico: aquele preto velho estava incorporado nessa mesma tia. Foi um choque. Um choque necessário, diria eu, porque de certo aquela não era minha tia, o que cultivou uma enorme crença em mim de que aquilo verdadeiramente existia e, então, fiquei um pouco mais assustada. O exercício da escrita resgata esses momentos na gente e, por aqui, me faz dar risada interna porque sempre associei minha vida com o invisível como natural e tranquila até me lembrar daquela noite. Eu tremia sim, estava com medo sim e saí de lá impressionada, cheia de perguntas e questionamentos que não sossegaram – não devem ter sossegado até hoje, visto que este entorno me encanta tão profundamente que uma das coisas que mais quero nesta vida é manter e cultivar minha espiritualidade, falar dela, vivê-la em plenitude e descobrir seus mistérios (ou pelo menos experimentá-los, que seja).

Aquele preto velho tem o nome de Pai Joaquim e cuida de mim até hoje, mesmo que minhas próprias entidades estejam já desenvolvidas. Acho que o carinho de um vô desses não se perde e, além disso, a relação entre minha tia e eu sempre foi estreitada por estes laços com o invisível. Ela é meu guia, meu alento e carinho nessa caminhada e, por mais que esteja afastada das práticas, sabe que quem é do time não abandona. Um dos copinhos de café que estão constantemente em meu altar é dele, e não irá faltar, viu pai?

Há algumas semanas recebi um recado específico, de cuidado. Que eu acendesse um toco (vela) às segundas-feiras, mandasse rezar missa pra uma alma incomodada e fizesse defumações constantes por aqui. E que principalmente não deixasse de lado o cuidado com meu povo, mesmo que agora, dentro da caminhada no candomblé, o encontro com essa gente seja consideravelmente menor, pelo menos em presença física via incorporação. Uma filha de Iansã não pode esquecer das qualidades e contato com as almas, percebemos as coisas de uma forma menos transparente, chegando a sentir as presenças de modo nada sutil.

Ao recordar essa caminhada de desenvolvimento espiritual, que é pra mim também parte inerente da minha evolução de caráter e crescimento como mulher, me emociona lembrar que isso não é de hoje, que as passagens mais concretas de minha existência se deram dentro de uma casa de fé, passeando pela umbanda e o candomblé, hoje aguardando pelas experiências na jurema sagrada, torcendo para que este universo rico e mágico se abra também pra mim. Tem gente que diz que eu só falo de macumba, que meus olhos brilham neste assunto e que de repente nem tudo é resolvido assim. Ah, se eu pudesse passar um filme de tudo isso, todo esse tanto de troca e alegria, acho que eles não pensariam assim ou, pelo menos, quem sabe se dariam a chance de experimentar.

 

Salve os pretos e as pretas velhas, adorei as almas, saravá!

Fonte: Jornal GGN

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